As empresas devem apelar para o argumento de inconstitucionalidade da medida, que estaria ferindo o princípio do direito adquirido enquanto os Estados tentam transferir para a iniciativa privada a crise das contas públicas.
A criação dos fundos estaduais de equilíbrio fiscal (FEEFs), que na prática reduzem em 10% os incentivos fiscais de ICMS para aliviar o caixa dos Estados, é controversa no meio jurídico e pode gerar uma avalanche de ações contra o poder público. As empresas devem apelar para o argumento de inconstitucionalidade da medida, que estaria ferindo o princípio do direito adquirido enquanto os Estados tentam transferir para a iniciativa privada a crise das contas públicas.
Segundo Ricardo Varejão, sóciotitular de direito tributário da Queiroz Cavalcanti Advocacia, de Recife, o Código Tributário Nacional só permite que os Estados retirem benefícios fiscais que tenham sido concedidos por prazo indeterminado. Não é caso da maioria das empresas, que receberam desconto no ICMS mediante prazo limitado e cumprimento de exigências e contrapartidas.
Varejão prevê um “cenário de beligerância” entre empresas e Estados por conta da criação dos fundos, começando no Nordeste onde os três maiores Estados (PE, BA e CE) já aprovaram as mudanças.
Para Carlos André Pereira de Lima, especialista em direito tributário do escritório Da Fonte Advogados, a legislação que institui o fundo nos Estados tem vícios que ferem o princípio do direito adquirido. “Estão tentando transformar o Confaz num guardachuva de legalidade.
Não é porque o Confaz autorizou que a lei deixa de ser inconstitucional. Não está prevista na Constituição contribuição do empresário para crise econômica do Estados”, afirma o advogado. Segundo Lima, muitos clientes já autorizaram o escritório a preparar ações contra o Estado de Pernambuco. “Estamos nos preparando, porque simplesmente não pagar pode deixar a empresa ameaçada de perder todo o incentivo”, diz.
Presidente do Consórcio Nacional de Secretarias da Fazenda (Consefaz), André Horta, que faz parte do Conselho de Política Fazendária (Confaz), diz que “desconhece matéria contenciosa” a respeito do fundo. Ele afirma que o convênio do Confaz foi criado com base em uma experiência prévia, de três meses, que funcionou no Estado de Goiás. “Evidentemente, a área tributária é prolixa em discussão jurídica”, diz.
Após firmarem convênio no Confaz, em maio, os Estados começaram a encaminhar às assembleias projetos de lei para a criação dos fundos. O primeiro a aprovar foi o Estado da Bahia, que prevê, apenas neste ano, arrecadação extra de R$ 130 milhões com a medida, que não tem prazo para acabar.
Pernambuco também já aprovou lei semelhante, com a diferença de que o fundo terá prazo de 24 meses, começando a valer partir do próximo mês e se encerrando em julho de 2018. Marcelo Barros, secretário da Fazenda do Estado, diz que somente este ano Pernambuco deve arrecadar mais de R$ 100 milhões com o fundo. “Estamos num esforço desde ano passado. Já cortamos despesas em mais de R$ 600 milhões, mas não foi suficiente. Então, aumentamos alíquotas dos impostos estaduais. Agora, tivemos que mexer nos incentivos fiscais”, afirmou Barros.
Em Pernambuco, a lei de criação do fundo tramitou em regime de urgência em tempo recorde, o que foi motivo de reclamação do setor industrial, que diz não ter sido ouvido. Ricardo Essinger, presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe), diz que o setor está em conversas com o governo para tentar a revogação da lei, ou, pelo menos, a criação de condições melhores para empresas com faturamento anual até R$ 20 milhões.
“Essa lei é o jogo do ganha, mas perde. O Estado ganha no curto prazo e perde no longo, com a insegurança jurídica. Como explicar para uma multinacional que o incentivo que foi oferecido para que ela fizesse um investimento agora vai ser menor?”, diz Essinger.
Durante a reunião do Confaz que regulamentou o fundo foi estabelecido acordo tácito para que todos os Estados, especialmente os do Nordeste, adotariam a medida. Dessa forma, não haveria perda de competitividade entre eles.
Depois de Bahia e Pernambuco, o Ceará aprovou ontem a criação do fundo, com prazo de 24 meses e previsão de arrecadarR$ 100 milhões somente neste ano. A lei cearense trouxe algumas especificidades que foram negociadas com o setor privado. A contribuição da empresa para o fundo pode variar de 0% a 10%, conforme o crescimento da sua contribuição de ICMS do ano passado para cá. “Se a contribuição cresceu 10%, a empresa já cumpriu. Se cresceu 6%, a empresa só paga a diferença, 4%”, explica o secretário de Fazenda do Ceará, Mauro Benevides Filho.
O projeto ainda tramita nas assembleias do Rio Grande do Norte, que pretende arrecadar R$ 90 milhões, e de Alagoas, que visa atingir R$ 18 milhões. Em Sergipe, ainda não houve finalização do projeto de lei a ser encaminhado ao Legislativo. A Secretaria da Fazenda do Estado diz que está “em fase de conclusão dos estudos”, mesma situação do Estado da Paraíba.
Até agora, o Maranhão não implementou o fundo. O Piauí informou que não encontrou portavoz para comentar o assunto. Fora da região Nordeste, o Rio de Janeiro foi o primeiro Estado a encaminhar projeto de lei para criação do FEEF para Assembleia Legislativa, com pretensão de reforçar o caixa em até R$ 1 bilhão por ano.
Fonte: Valor Econômico