O Brasil ainda era um território em formação quando os portugueses instituíram o primeiro imposto na terra “descoberta” por Pedro Álvares Cabral. Em 1530, a coroa lusitana taxou em 20% a exploração do pau-brasil, a então única riqueza natural conhecida na colônia. Cinco séculos depois, muita coisa mudou: a produção in natura se diversificou e o país se industrializou. Agora, somos a sétima economia do planeta. Por outro lado, a carga tributária também cresceu. Tanto em quantidade – foram editadas quase 300 mil normas tributárias nos últimos 25 anos – quanto em receita. O ritmo da arrecadação do poder público está tão acelerado que, nos últimos anos, sobe em percentual acima do aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Em 1988, quando a atual Constituição foi promulgada, a carga tributária correspondia a 20,01% do PIB. Em 2012, chegou a 36,27%. Em número absoluto, a arrecadação das três esferas de governo – União, estados e prefeituras – somou R$ 1,59 trilhão apenas no ano passado. O peso dos tributos é um assunto tão polêmico quanto antigo. Basta lembrar que a Revolta de Vila Rica, em 1720, e a Inconfidência Mineira, em 1789, tiveram como estopim a cobrança da quinta parte do ouro. Ao longo desta semana, uma multidão promete sair às ruas em protesto ao aumento da carga tributária. Em Belo Horizonte, as manifestações serão na quinta-feira. Já em boa parte do país ocorrerão no sábado, em razão ao Dia do Respeito ao Contribuinte. Em alusão à data, o Estado de Minas publica, a partir de hoje, uma série de reportagens sobre a importância dos impostos para financiar serviços públicos, como a educação e a saúde. Mas que também vão mostrar como o avanço deles e a complexa legislação tributária estimulam a sonegação fiscal. “O PIB, de 2002 a 2012, cresceu 197,91%. Em igual período, a arrecadação com tributos subiu 231%. Se a carga tributária fosse reduzida, a sonegação cairia. Muita gente que hoje está na informalidade passaria a ser contribuinte. A desoneração tributária seria repassada ao consumidor final. Além disso, diminuindo os tributos, os preços dos produtos cairiam. Por sua vez, as vendas iriam aumentar, impulsionando o faturamento e, consequentemente, os impostos”, acredita o advogado João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). MENOS EMPREGO O mercado de trabalho também sofre com a carga. Estudo da Page Personnel, uma das maiores organizações globais de recrutamento especializado em profissionais de suporte à gestão e primeira gerência, mostra que 66,5% dos executivos do Sudeste disseram que a carga tributária é o principal entrave à ampliação do número de empregados. “Os entrevistados apontaram os impostos como um dos vilões para a contratação”, alertou Gil van Delft, diretor-geral da Page Personnel. A avaliação dele é endossada pelo vice-presidente da Toshiba no Brasil, Robson Alves. Na última quinta-feira, ele esteve em Betim, na Grande BH, para inaugurar a segunda fábrica da subsidiária japonesa em Minas, que abrirá 280 vagas diretas e 900 indiretas. “O peso dos impostos atrapalha a competitividade. Se houvesse menos encargo trabalhista, o número de empregados seria maior”. O tributo campeão em aumento (11,31%) entre 2012 e 2011 foi o INSS (Previdência Social), que saltou de R$ 271,59 bilhões para R$ 302,32 bilhões. “A arrecadação, no ano passado, atingiu média de R$ 4,36 bilhões por dia, ou R$ 181,81 milhões por hora, ou R$ 3,03 milhões por minuto ou R$ 50.502,74 por segundo. Assim, cada brasileiro pagou, em média, R$ 8.230,31 em 2012”, acrescentou Olenike. Susto na nota fiscal A auxiliar administrativa Elisângela Aparecida de Assis, de 30 anos, se assustou ao saber que a caneta que comprou por R$ 1 carrega R$ 0,41 em impostos. O valor do tributo, embora possa parecer pequeno, representa 41% do preço total da mercadoria. “A gente leva um susto ao saber dessas coisas. Os tributos, no Brasil, são altos”, reclama a mulher. A partir de 10 de junho, porém, insatisfação como a dela poderá ser ouvida mais vezes e nos quatro cantos do país, pois entrará em vigor a Lei 12.741/12. Sancionada pela presidente Dilma Roussef no fim de 2012, a norma obriga os estabelecimentos comerciais a discriminar o valor dos tributos em cupons e notas fiscais. Por outro lado, entidades de classe já solicitaram ao governo que prorrogue o prazo para a vigência da lei. A Federação do Comércio de São Paulo, por exemplo, pediu seis meses adicionais. Um dos argumentos é que a Constituição concede às micro e pequenas empresas um tratamento diferenciado e que a questão não é tratada na 12.741/12. A expectativa do empresariado é que o pedido seja atendido pelo Palácio do Planalto. Atualmente, apenas três grandes redes – Riachuelo, Telha Norte e Renner – se anteciparam à norma. Ainda assim, apenas algumas filiais desses grupos implantaram o sistema, que revela os valores dos tributos nas notas fiscais e cupons. “Deve ser prorrogada. Para nós, não haveria necessidade. Mas as entidades devem pressionar o governo”, acredita João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Para ele, porém, as manifestações contra a carga tributária que vão ocorrer em todo o país, ao longo desta semana, são importantes para que a população e o governo se conscientizem. GASOLINA Em BH, um dos protestos ocorrerá na quinta-feira num posto de combustível, na esquina das avenidas Álvares Cabral e Bias Fortes, onde o preço do litro da gasolina será negociado com desconto de 35%. A cada R$ 100 do valor da bomba, o consumidor pagará, portanto, R$ 65. A diferença é o peso da carga tributária no combustível, o que chamou a atenção da administradora Maria Fernanda Resende Castro. “É isso tudo? A carga tributária no país é alta e a gente não vê esse retorno, por exemplo, na qualidade do asfalto de vias urbanas e estradas.” Um indicador calculado pelo IBPT, o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), mostra que o Brasil ocupa a 30ª e última posição no ranking mundial dos países que oferecem o maior retorno em serviços públicos de qualidade à população. O estudo compara a relação da carga tributária e do PIB com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A primeira posição ficou com os Estados Unidos. O Brasil ficou atrás dos vizinhos Uruguai (13º colocação) e Argentina (21º). (PHL) Paulo Henrique Lobato
Fonte: Em.com.br