ALTA CARGA TRIBUTÁRIA, MULTA E REFIS. UMA RELAÇÃO PROMÍSCUA.

O verbete promíscuo, originado do latim promiscuu, tem seu significado disposto no dicionário como “Agregado sem ordem nem distinção misturado, confuso, indistinto”. Essa é a relação encontrada ao cotejarmos a alta carga tributária do país, o sistema punitivo por meio das multas escorchantes e os sazonais sistemas de “refinanciamentos fiscais”.

Há muito se fala em elevada carga tributária, que vem numa crescente evolutiva com o pretexto de angariar recursos públicos para a realização das atividades do Estado e atender as “demandas da sociedade”, o que acaba por gerar efeitos nefastos para o crescimento econômico desestímulo de produção redução da capacidade de investimento diminuição das exportações indução à informalidade dos empregos com a oneração da mão de obra e muitas vezes, estimula a evasão e sonegação fiscal. Enfim, não cabe nesse breve texto expor de forma aprofundada as relações de causa-efeito da carga tributária, fato é que ela existe e é elevadíssima em comparação com países emergentes e equivalente a dos países tidos por desenvolvidos.

Em paralelo à arrecadação de tributos, estão as multas tributárias, que dentro de um padrão ideal de operação do sistema tributário num Estado de Direito Democrático, têm, em suma, duas funções. Uma de caráter sancionatório, pelo descumprimento das obrigações tributárias, e outra educativa com a finalidade de desestimular práticas de evasão e sonegação, facilitando a fiscalização.

Acontece, é verdade, que muitas vezes os percentuais das penalidades revelam verdadeiros excessos dentro de uma análise de proporcionalidade entre fins e meios do sistema punitivo tributário. Por exemplo, há situações em que os percentuais de multas atingem a monta de 225%, sem que a lesividade da conduta ou as circunstâncias, previstas em abstrato na lei, revelem a necessidade de uma severidade tão acentuada.

Outro viés importante do aparato tributário sancionador é a aplicação de multas por descumprimentos de obrigações fiscais num sistema legislativo extremamente complexo que leva a interpretações das mais variadas possíveis, e, por consequência, a imposição de penalidades sobre operações nas quais a incidência tributária não seria tão clara, ou admitiria interpretações diversas. Nesse cenário, atividades que, a princípio, não seriam objeto de tributação na interpretação dos contribuintes, não só podem ser objeto de cobrança por parte do fisco, como ter sobre ele acrescidos de juros e multas, e esta última em percentuais, por vezes, que excedem limites de proporcionalidade.

A cobrança de multas com percentuais que excedem os limites de proporcionalidade e um sistema tributário complexo em que penalidades são geradas diante de situações com alto grau de abstração, acabam por subverter sua própria finalidade, deixando de se revestir de caráter educativo e sancionatório, e passando a ser utilizada também com flagrante cunho arrecadatório, o que macula todo o Sistema Constitucional Tributário e viola de forma flagrante os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes.

Pois bem, não bastasse a alta carga de tributos aliada a um aparato sancionatório repleto de inconsistências, observa-se com frequência edições de programas de refinanciamentos fiscais – por parte das Fazendas Públicas –, que na maioria das vezes, estabelecem condições de anistias de multas, redução de juros e o parcelamento de valores em até 180 meses, como já ocorreu na esfera Federal em um passado recente.

Acrescente-se que a edição de programas de parcelamento é cada vez mais recorrente, apenas a título de exemplo, o Governo Federal nos últimos 15 anos editou cinco grandes parcelamentos separados por 3 a 4 anos entre cada um deles: 2000 (REFIS) 2003 (PAES) 2006 (PAEX) 2008/2009 (REFIS da Crise) 2013/2014 (Refis da COPA) 2013 (REFIS dos Bancos) dentre outros), já no âmbito do Estado de SP editou-se quatro programas principais: em 2007 (PPI) 2012 (PEP) 2014 (PEPII) e (PPD). Em 2017 não foi diferente, Estados, Municípios e a União, novamente editaram seus “programas de regularização fiscal”.

Tais programas, de uma forma geral, vêm sob uma pretensa motivação de possibilitar aos contribuintes a regularização de sua situação fiscal mas ao analisarmos os contextos políticos e econômicos em que estão inseridos, percebe-se uma motivação velada, utilizando-os como manobras políticas para levar a uma maior aceitação eleitoral, ou ainda, pura e simplesmente, com o objetivo de gerar ingresso de recurso para os cofres públicos em momentos de crise, o que – diga-se de passagem – não podem servir de justificativa dentro de uma compostura dentro do Estado de Direito.

Não se quer dizer aqui que programas de parcelamento são medidas inadequadas, pelo contrário. Em situações econômicas de crise, destinadas a determinados setores ou seguimentos os refinanciamentos fiscais são instrumentos extremamente importantes para garantir aos contribuintes melhores condições para buscar e manter sua regularidade fiscal, como por exemplo, os parcelamentos para ingresso no Simples Nacional em 2007 o necessário parcelamento de tributos para empresas em Recuperação Judicial (muito embora se questione a efetividade deste último). O que se quer dizer aqui é que os parcelamentos devem ser medidas extremamente excepcionais, não podem fazer que a regra (recolhimento regular de tributos nos prazo) se torne exceção.

A frequência com que são observadas as repetidas edições de tais programas de parcelamento cria um sentimento geral e comum de que novos refinanciamentos virão. Ou seja, alimentam expectativas de futuras edições de medidas para regularização fiscal por parte dos Governos, em suas diversas esferas.

Essa crença acaba por provocar efeitos lesivos do ponto de vista da Educação e Justiça fiscal, ou seja, os contribuintes passam a se programar deixando de recolher os tributos nos prazos devidos aguardando ou sonegando, deliberadamente, determinadas informações fiscais, se sujeitando a incidência das multas – ainda que pesadas – pois se sabe (ou ao menos acredita-se) que nos programas de refinanciamento poderão fazer os pagamentos de tributos com desconto de juros e multa – por vezes com a anistia integral dessas últimas.

Com efeito, o uso indistinto de programas de parcelamento prestigia contribuintes inadimplentes em detrimento daqueles que cumprem à risca suas obrigações tributárias. Se pudéssemos comparar as mazelas do Sistema Tributário Nacional com um câncer, os refinanciamentos fiscais seriam meros analgésicos que não atuam na reabilitação, mas sim funcionam como medidas paliativas para disfarçar os sintomas do arroxo fiscal e amenizar a angústia e o sofrimento causado pela alta carga dos tributos sem, contudo, atuar na cura e tão almejada Reforma Tributária.

JOSÉ MAURO DE OLIVEIRA JUNIOR, é Advogado, sócio da Jorge Gomes Advogados, especialista em Direito Empresarial com ênfase em Tributário pela PUC/PR e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET/SP, membro da Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da 29ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil de Presidente Prudente/SP.

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