Inicialmente, oportuno observar que o regime de separação convencional de bens, ou separação total, é aquele em que os interessados, através de manifestação expressa determinada no pacto antenupcial, resguardam a exclusividade e a administração do seu patrimônio pessoal, anterior ou posterior ao matrimônio, ou seja, através de acordo expresso determinam entre eles a incomunicabilidade dos bens.
Ocorre que com o advento do Código Civil editado no ano de 2002, houve importantes inovações no Direito Sucessório, dentre as quais se concedeu ao cônjuge sobrevivente a condição de herdeiro necessário, através da sucessão, é o dispõe o art. 1829, inciso I, da referida Lei Civil.
Assim, com fundamento exclusivo neste dispositivo, pode-se chegar à equivocada conclusão de que no regime de separação convencional de bens, a incomunicabilidade patrimonial vigorava apenas em vida, uma vez que, após a morte de um dos cônjuges, haveria uma forçada comunhão de direitos determinada coercitivamente pela própria lei.
Contudo, interpretar este artigo isoladamente, e de modo literal, leva-nos, conforme advertido acima, a uma conclusão, no mínimo, questionável, devendo o intérprete analisar a questão sob a ótica da hermenêutica jurídica, isto é, ponderar o respectivo artigo em harmonia com os demais comandos contidos naquela codificação.
Desta forma, é forçoso concluir que no caso da separação total de bens pactuada, tendo os cônjuges deliberado expressamente pela incomunicabilidade do patrimônio, é inadmissível imaginar que com o fim do casamento pela morte de um deles, seja alterado o regime estipulado pela vontade livre e consciente dos anuentes, permitindo que o sobrevivente venha a receber bens de exclusiva propriedade do autor da herança, concorrendo assim, ilegitimamente com os seus demais herdeiros.
Por outro lado, aceitar a condição de herdeiro necessário ao cônjuge sobrevivente, casado no regime da separação total de bens, implicaria na revogação tácita do artigo 1687 do Código Civil, que estipula a possibilidade da instituição do referido regime.
Ademais, não faria o menor sentido assegurar constitucionalmente às pessoas a proteção da sua dignidade na qual inclui a autodeterminação possibilitar-se aos cônjuges a lícita escolha do regime de separação total de bens facultar-se que expressem referido ato de autonomia em pacto antenupcial, dotado de publicidade e eficácia de oponibilidade perante terceiros determinar-se no Código que a vida do casal é regida pelo princípio da exclusividade, sendo defeso a terceiros ou ao Estado interferir nas escolhas licitamente feitas quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, para ao final dar-se ao indigitado artigo 1829, inciso I, interpretação que contraria todas aquelas premissas e nega os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhidos.
Neste sentido, cumpre inclusive ressaltar que no final do ano de 2009, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao analisar o comando disposto no artigo 1829, inciso I, do Código Civil, entendeu que referido fato se trata de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações e ainda que, diante do princípio da exclusividade que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar e, por essa razão, determinou, naquele caso, a não concorrência do cônjuge sobrevivente com os demais herdeiros em determinado patrimônio.
Ao seu turno, insta observar que em nova e recente decisão, o próprio Superior Tribunal de Justiça, ao analisar um novo caso, decidiu, desta vez, em sentido contrário daquele que já havia decidido, dando validade ao comando disposto no art. 1.829, I, do Código Civil.
Entretanto, não obstante esse novo posicionado emanado do Superior Tribunal de Justiça – STJ e, respeitadas opiniões contrárias, entendemos que reconhecer a condição de herdeira(o) necessária(o) ao cônjuge sobrevivente casada(o) sob o regime de separação convencional de bens, mais do que anular os efeitos do artigo 1687 do Código Civil, que estipula a possibilidade da instituição do regime da separação total de bens, é desrespeitar a vontade livre e consciente manifestada em vida pelos respectivos cônjuges.
LUIZ PAULO JORGE GOMES, é Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e atualmente exerce a função de Conselheiro Titular da Primeira Turma Ordinária, da Segunda Câmara, da Primeira Seção de Julgamento do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.