A PROBLEMÁTICA DO APLICATIVO DE DÍVIDA ABERTA DA PGFN

A história do tributo no cenário brasileiro percorreu diversas fases, desde o início da colonização até a modernidade, sendo a maioria delas perpetrada por abusos no momento de cobrança e arrecadação dos impostos.

A sucessão de atos abusivos pelo Fisco, deu ensejo à uma série de revoltas por parte dos contribuintes, esgotados pela cobrança excessiva e ausência de investimento nos setores públicos.

A partir das rebeliões fomentadas pela população, em busca de impostos proporcionais à situação econômica, as Constituições e Tratados Internacionais começam a trazer os direitos do contribuinte com o objetivo de instituir uma cidadania fiscal, onde à medida em que existe um dever de contribuição do cidadão perante o Estado, este deverá retribuir proporcionando à população infraestruturas dignas de gozo social, observado os limites de atuação para não incorrer em excessos.

A Constituição Federal de 1988 consagrou no artigo 150, um conjunto de direitos e garantias, os quais trouxeram como consectário, as limitações constitucionais ao poder de tributar. Extrai-se desse dispositivo uma série de princípios norteadores do Sistema Tributário Nacional, tais como legalidade, anterioridade, irretroatividade.

Em decorrência da fúria do desenvolvimento tecnológico, o Fisco obteve uma maneira simples e rápida de disponibilizar informações dos contribuintes inadimplentes, fazendo com que o público tenha acesso de qualquer local. Trata-se do aplicativo da dívida aberta, institucionalizado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, onde uma das funcionalidades contempla a localização de pessoas jurídicas inadimplentes, partindo da localização atual do usuário.

A função de localização dos aplicativos em geral, embora seja comum ao usuário, incorre em uma abordagem polêmica quando se trata da possibilidade de visualizar a dívida da pessoa jurídica inadimplente. Existe complexidade no tema pois envolve a aplicabilidade de alguns dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, matéria abordada minimamente entre doutrinadores.

Os dispositivos regulamentadores da dívida aberta não trazem normas expressas sobre a hipótese de localização de um inadimplente por meio de um aplicativo, e tampouco faz sentido tal funcionalidade, haja vista que no próprio aplicativo é possível localizar pelo CNPJ da pessoa jurídica. Sendo assim, uma vez não previsto em lei, estes dispositivos poderão ser objeto de arguição de inconstitucionalidade.

Nesse sentido, importa explorar quais direitos estariam sendo violados nesse caso específico, tornando-se necessário cruzar os excepcionais entendimentos doutrinários que legitimaram a possibilidade da aplicação de determinados direitos da personalidade às pessoas jurídicas. Uma vez comprovado que a pessoa jurídica é digna de tal tutela, por consequência, o Estado não poderá se valer do aplicativo da dívida aberta para constranger e disseminar informações do inadimplente.

Em que pese a temática acerca da disponibilização de informações pessoais na internet, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18) desempenha um papel substancial em busca da proteção de direitos fundamentais, dentre eles o da liberdade e privacidade. Nos termos do artigo 3º da LGPD, a aplicabilidade da Lei abrange os órgãos públicos e privados, bem como as pessoas jurídicas ou físicas, e, portanto, todos deverão seguir as diretrizes estabelecidas no texto normativo, quando do tratamento de dados pessoais.

Contudo, a PGFN diante da importante função que exerce, ao instituir um aplicativo que contempla o livre acesso aos dados das pessoas jurídicas inadimplentes, principalmente no ambiente regulamentado pela Lei Geral de Proteção de Dados, nos parece que infringe princípios basilares da intimidade de dados, tais como, o respeito à privacidade, a inviolabilidade da honra e imagem, dentre outros estabelecidos no artigo 2º da referida Lei.

Diante desse cenário, se torna cada vez mais indispensável realizar uma análise jurídica perante a atuação das repartições públicas e privadas no que tange o tratamento de dados, a fim de exigir que todos, independentemente do meio, cumpram com as normas trazidas pela LGPD e sejam responsabilizados pelo cometimento de infrações.

Ana Carolina Cabanillas Tadioto é estagiária na Jorge Gomes Advogados, graduanda do curso de Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente.