A inconstitucionalidade da Lei que tributa as compras pela internet – 27/01/2011

Foi publicada no Diário Oficial do Estado do Piauí de 30 de dezembro de 2010 a Lei nº 6.041/2010 que tributa a entrada de mercadorias ou bens ou mercadorias oriundos de outras unidades da Federação destinadas a pessoa física ou jurídica não inscrita no Cadastro de Contribuintes do Estado do Piauí  CAGEP. A alíquota, ainda segundo a referida lei, será variável, entre 4,5% e 10%, e incidirá sobre o valor da operação constante da nota fiscal.
A inovação certamente passaria despercebida, dada a publicação no apagar das luzes do último ano, não fosse a presença ostensiva de autoridades estaduais na imprensa piauiense verberando perdas financeiros do Estado com as compras feitas pela internet, em empreendimentos localizados em outros estados da Federação.
Em entrevista concedida em dezembro de 2010, o Secretário de Fazenda do Estado alegava perdas no montante de R$ 12 milhões em ICMS no ano de 2009, imputadas ao crescimento das transações via irede mundial de computadores, indicando para a necessidade de tributação de operações do tipo.
Se parecia temerário, do ponto de vista jurídico, o anúncio da cobrança, a edição da Lei nº 6.041/2010 superou a pior das expectativas: não apenas a pobre redação, mas também, e principalmente, a inconstitucionalidade da referida lei, salta, desde logo, aos olhos.
Nos termos do inciso V do art. 150 da Constituição, é proibido aos entes federativos estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. É o que a doutrina chama de princípio da liberdade de tráfego.
Aquela norma básica visa a impedir a guerra fiscal entre os membros da federação e, em última análise, a o cerceio ao livre ir e vir, igualmente previsto na Carta, em seu art. 5º, XV.
A Lei nº 6.041/2010, não se duvida  e o Estado do Piauí, por seus porta-vozes, não nega  é tentativa deliberada de impedir ou dificultar a entrada de produtos oriundos de outros Estados da Federação, mediante a tributação diferenciada, encerrando flagrante inconstitucionalidade.
Por conseqüência disso, temos, também, a inconformidade da Lei Estadual ante a Constituição quando esta, em seu art. 152 veda expressamente o estabelecimento de diferenças tributárias entre bens e serviços de qualquer natureza em razão de sua procedência, evidenciando o chamado princípio da não-discriminação.
Relativamente à matriz constitucional do ICMS, as inconstitucionalidades não cessam.
Da leitura do art. 1º da Lei em questão, resta evidente o espírito da norma: a tributação de operações interestaduais que destinem bens ao consumidor final. Contudo, o objetivo encontra óbice no art. 155, § 2º, inciso VII, alínea b, segundo o qual se adotará a alíquota interna (do Estado de origem), quando o destinatário da mercadoria não for contribuinte de ICMS.
A inconstitucionalidade é gritante e, por certo, as empresas que comercializam produtos pela internet não deixarão  nem poderão  de efetuar o recolhimento do ICMS devido ao Estado de origem, o que importará, além da do pagamento do imposto legalmente devido, o encarecimento da operação com o novo, e inconstitucional, recolhimento ao Fisco Piauiense (bitributação), em prejuízo claro ao consumidor
Ressalte-se, ainda, que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, apesar da idéia que a literalidade da denominação possa trazer, não é tributo incidente sobre a mera circulação de bens ou serviços. O termo circulação trata da circulação jurídica, que implica transferência de titularidade, isso é o que se objetiva tributar.
Ao cobrar pela simples entrada de mercadoria no Estado, a Lei nº 6.041/2010 cria, de fato, nova hipótese de incidência do tributo, que, por força do art. 146, III, a, da Constituição, é matéria de Lei Complementar, e não de Lei Ordinária, como se deu, configurando-se a inconstitucionalidade formal da lei.
A internet mudou o comportamento das pessoas, inclusive seu modo de consumir. A inclusão digital, que ainda engatinha, já é bem sentida pelo mercado: em 2009, as classes C, D e E já respondiam por 51%, em números absolutos, das compras do comércio eletrônico, um mercado com faturamento de R$ 10,6 bilhões.
Não se duvida das perdas que a instalação das principais empresas do e-commerce nos grandes centros provoca nos Estados menos desenvolvidos, contudo, penalizar o consumidor como forma de compensação de uma desigualdade que deve ser discutida no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária, e ainda por meio de legislação flagrantemente inconstitucional, não se apresenta a melhor saída.
Rodrigo Mesquita
Fonte: Portal AZ