ICMS NA BASE DO PIS/COFINS E O MOMENTO DO RECONHECIMENTO DAS RECEITAS PARA FINS DE IRPJ E CSLL

A epopeia vivida pelos contribuintes na discussão da inclusão ou não do ICMS nas bases do PIS/COFINS não dista das aventuras vividas pelos personagens da série televisiva de animação dos anos 80, conhecida no Brasil como “A Caverna do Dragão”. A série desenvolve seu enredo a partir de desventuras vividas por seis crianças americanas que, em um passeio de uma montanha russa, atravessam a dimensão do mundo real, para atingir um mundo de fantasia vivida em reino de Guerreiros e Dragões, que levam os personagens principais a enfrentar uma série de enigmas e aventuras reais em busca do caminho para casa.

No caso da exclusão do ICMS nas base de cálculo do PIS e da COFINS os contribuintes vêm enfrentando, há pelo menos 20 anos um movimento de marcha e contra marcha desde o início, fosse com decisões liminares que por vezes eram concedidas, ora negadas; as decisões dos Tribunais Federais após um (longo) tempo de consolidação em suas jurisprudências internas, ainda não guardavam padronização nas cinco regiões do país; o Superior Tribunal de Justiça, em sua incumbência de uniformizar o entendimento na jurisprudência federal nacional, sinalizava claramente para a frustração dos interesses dos contribuintes.

Foi então que, finalmente, o Supremo Tribunal Federal, após ter se manifestado favoravelmente aos contribuintes no RE 240.785 e – mesmo após um movimento, no mínimo surreal, com o ajuizamento da ADC 18 – reconheceu a repercussão geral do RE 574.706, em 04/2008, o que delimitou o Tema 69. Contudo, entre o reconhecimento da repercussão geral e o processo ser pautado para julgamento, decisões de toda sorte foram proferidas, num interstício de nove anos instaurou-se um verdadeiro ambiente de insegurança jurídica.

Por tanto, nove anos após o reconhecimento da repercussão geral, pautou-se o julgamento para 09/03/2017, o que ocasionou mais um cem número de novas ações com a preocupação de eventual modulação de efeitos e a possível fixação da data do julgamento como termo para estabilização dos efeitos do julgamento. O julgamento somente foi concluído em 15/03/2017, e aí mais uma curiosidade peculiar, o acórdão somente veio a ser publicado 10/2017, sete meses após o julgamento, o que desafiou a oposição de embargos de declaração por parte da União, que até o momento, pasmem, não foi julgado.

De 2017 para cá, mesmo com o julgamento ainda pairam questionamentos sobre a real extensão dos efeitos do julgamento, sobre quais os valores devem ser excluídos, quais as metodologias de cálculo devem ser adotadas. O julgamento dos embargos de declaração estava pautado para o dia 01 de abril de 2020 – o famoso dia da mentira já anunciava o tom da surpresa. Resultado: o julgamento foi retirado de pauta e a incerteza que já se projetava por mais de 3 anos da data do julgamento, se mantém.

Em meio a todas as incertezas, fato é que muitas das ações julgadas procedentes transitaram em julgado, o que deu ensejo a um novo ciclo de desventuras, o cumprimento de requisitos da IN 1717/2017, o recebimento das habilitações por parte da RFB e, a demora na manifestação dos órgãos de administração ao apreciar os pedidos de habilitação para compensação – diga-se de passagem – não tem nenhum cunho de apreciação de reconhecimento ou não do crédito.

Não obstante todas as vicissitudes, e que estão longe de encontrar um fim, um novo ponto se coloca, qual seja, para aqueles contribuintes que já tiveram suas ações julgadas procedentes e com trânsito em julgado, qual o momento para o reconhecimento da receita para fins de tributação pelo IRPJ e CSLL.

No estreito objeto da presente análise não cabe analisar profundamente os elementos essenciais e as estruturas que informam a tributação sobre a renda das pessoas jurídicas, nem mesmo adentrar sobre as discussões sobre a aplicação ou não dos conceitos de disponibilidade econômica e jurídica da renda. Fiquemos apenas com a noção de disponibilidade o que conduz ao seguinte questionamento: quando é que se pode considerar disponível a renda em relação ao direito de se expurgar o ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS?

Sob esse aspecto se afiguram como possíveis, pelo menos, quatro (desdobráveis em outros), são eles: 1) trânsito em julgado da ação judicial individual proposta pelo contribuinte; 2) a efetiva mensuração dos créditos pelo contribuinte e o reconhecimento contábil dos valores a recuperar como ativo, em contrapartida à receita; 3) a habilitação dos créditos perante a Receita Federal do Brasil (RFB) como condição para realizar sua compensação; 4) a efetiva compensação dos créditos com outros tributos federais, nos termos regulados pela RFB.

No que toca ao primeiro ponto, de acordo com entendimento da Receita Federal do Brasil, exposto em soluções de consulta [106/10, 232/07 e ADI SRF 25/2003 (nos casos de repetição de indébito)], entende o órgão administrativo que o momento para o reconhecimento da receita como objeto de tributação do IRPJ e CSLL seria o exercício em que se deu o trânsito em julgado da sentença. Ocorre que, na maioria das vezes, nesse momento não há que se falar em valores líquidos, haja vista que não há identificação concreta para quantificar o conteúdo da sentença.

Num segundo entendimento, justamente por ausência de liquidez da sentença proferida em mandado de segurança individual, associada ao fato de não estar, neste momento, definido se o contribuinte promoverá a obtenção dos valores via precatório ou via compensação, segundo permissivo previsto no enunciado nº 461 da Súmula do STJ. Por conseguinte, não haveria que se falar em reconhecimento da receita no trânsito em julgado da sentença pela inexistência de liquidez da sentença.

Decorrente dessa possibilidade de opção, surgiriam dois possíveis entendimentos, especialmente no que diz respeito à habilitação do crédito como requisito para futura compensação. Nos termos da Instrução Normativa 1717/2017, o contribuinte deve promover pedido de habilitação, junto a RFB, para que esta se manifeste (sem qualquer análise ou anuência em relação ao valor do crédito). Há quem entenda que, como já houve a identificação do valor do crédito a ser levantado, bem como manifestada a intenção do contribuinte em promover a compensação dos referidos valores, seria esse o momento para se reconhecer como tributável a renda para fins de IRPJ e CSLL.

Em contrapartida, na medida que a manifestação na RFB no processo de habilitação não tem nenhum condão de homologar, aferir ou validar os valores objeto do pedido de habilitação, segundo dispõe o art. 101, § único da IN RFB 1717/2017, não haveria que se falar, nesse momento, de valores líquidos e, por conseguinte, de reconhecimento de receita.

O quarto e último elemento para ser considerado, circunscreve-se à efetivação da compensação, que se desdobra em outros dois entendimentos. O primeiro, no sentido de que o reconhecimento da receita, para fins de incidência de IRPJ e CSLL, seria no momento em que se faz uso dos créditos para se abater com outros débitos (Solução de Consulta 206/03), ou seja, a data da transmissão da compensação.

Em uma outra perspectiva, mais favorável ao contribuinte, seria no sentido de que o momento para o reconhecimento dos valores – para fins de IRPJ e CSLL – seria quando da homologação (expressa ou tácita) da compensação pela autoridade fiscal. Tal entendimento teria fundamento no sentido de que a efetiva disponibilidade jurídica somente se daria com o reconhecimento do crédito por parte da autoridade administrativa, ocasião na qual se teria plena certeza da existência do direito, sem qualquer possibilidade de questionamentos.

Em que pese orientações e posições mais otimistas sinalizem o fim das discussões, é possível desenhar um cenário de futuras outras discussões que se afiguram concretas nos próximos anos. Para encerrar com a mesma alegoria proposta no início, os contribuintes estão na mesma condição das crianças da “Caverna do Dragão”, presas em um mundo repleto de adversidades e devem decifrar seus enigmas e superar os obstáculos a fim de alcançar o tão almejado caminho de volta para casa, mas não sem antes colocar-se em embate contra as forças do mal utilizando-se de armas e artifícios mágicos.

JOSÉ MAURO DE OLIVEIRA JUNIOR, é Advogado, sócio na Jorge Gomes Advogados, mestrando em Direito Tributário pela PUCSP; especialista em Direito Empresarial e Tributário pela PUC/PR; Especialista em Direito Tributário pelo IBET e Professor Seminarista do IBET/Toledo Prudente.
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